| Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
Exportação de Auto Texto do Word para o Editor de Documentos do STJ HABEAS CORPUS Nº 402.335 - SC (2017⁄0131970-2)
RELATOR | : | MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ |
IMPETRANTE | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
ADVOGADO | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
PACIENTE | : | VALDIR LOFY |
EMENTA
HABEAS CORPUS. AMEAÇA. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DENÚNCIA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ( rectius: do processo), por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações estas que não constato caracterizadas na espécie.
2. No caso, a peça acusatória não trouxe, com um mínimo de precisão, a exposição circunstanciada no tocante ao fato criminoso – mormente a data ou, ao menos o período, em que se deram as supostas ameaças –, conforme as diretrizes estabelecidas pelo art. 41 do CPP, o que dificultou a compreensão por parte do acusado, em nítido prejuízo ao seu amplo direito de defesa. 3. Ordem concedida para, confirmada a liminar, declarar a inépcia da denúncia e anular, ab initio , o Processo n. 0000114-38.2015.8.24.0011, da Vara Criminal da Comarca de Brusque – SC, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor do paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 03 de setembro de 2019
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
HABEAS CORPUS Nº 402.335 - SC (2017⁄0131970-2)
RELATOR | : | MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ |
IMPETRANTE | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
ADVOGADO | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
PACIENTE | : | VALDIR LOFY |
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
VALDIR LOFY, paciente neste habeas corpus, estaria sofrendo constrangimento ilegal ao seu direito de locomoção em decorrência de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que denegou a ordem postulada no HC n. 4008725-71.2017.8.24.0000.
Depreende-se dos autos que o réu foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 147, caput, do Código Penal, c⁄c o art. 7º, II, da Lei n. 11.340⁄2006.
Alega o impetrante, em suma, ser inepta a denúncia porquanto "atribui-se ao paciente a prática de crime de ameaça sem que a denúncia sequer tenha indicado o ano (ou mesmo o intervalo de anos) do fato criminoso" (fl. 5).
Aduz, ainda, que "a decisão que recebeu a denúncia, pelo fato imputado ao PACIENTE é manifestamente ilegal, por carência absoluta de fundamentação, sendo imperativo o reconhecimento da nulidade do processo criminal" (fl. 11).
Requer, por isso, in limine, seja suspenso o andamento da ação penal e, no mérito, pugna pelo trancamento do processo.
Deferida a liminar, a fim de suspender o andamento do feito na origem até o julgamento final deste writ, e prestadas as informações (fls. 160-163 e 174-192), veio o parecer do Ministério Público Federal (fls. 167-172), que opinou pela denegação da ordem.
HABEAS CORPUS Nº 402.335 - SC (2017⁄0131970-2)
EMENTA
HABEAS CORPUS. AMEAÇA. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DENÚNCIA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento da ação penal ( rectius: do processo), por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações estas que não constato caracterizadas na espécie.
2. No caso, a peça acusatória não trouxe, com um mínimo de precisão, a exposição circunstanciada no tocante ao fato criminoso – mormente a data ou, ao menos o período, em que se deram as supostas ameaças –, conforme as diretrizes estabelecidas pelo art. 41 do CPP, o que dificultou a compreensão por parte do acusado, em nítido prejuízo ao seu amplo direito de defesa. 3. Ordem concedida para, confirmada a liminar, declarar a inépcia da denúncia e anular, ab initio , o Processo n. 0000114-38.2015.8.24.0011, da Vara Criminal da Comarca de Brusque – SC, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor do paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Contextualização
A exordial acusatória descreve a suposta conduta delitiva praticada pelo paciente nos seguintes termos:
[...]
Em dia e horário a serem melhores apurados na instrução criminal, na residência localizada na Rua Li-031, n. 60, Bairro Limeira, nesta urbe, o denunciado VALDIR LOFY, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ameaçou causar mal injusto e grave à vítima Joseane Caviquiolli, sua companheira, dizendo ainda "que vai matar, porque do jeito que esta não dá mais", fazendo referências ao problema de visão o qual a vítima sofre.
Deste modo, o denunciado ameaçou alguém, com palavra e gesto de causar mal injusto e grave.
Assim agindo, VALDIR LOFY infringiu o disposto no artigo 147, caput , do Código Penal c⁄c artigo 7º, II, da Lei n. 11.340⁄2006, razão pela qual se oferece contra ele a presente DENÚNCIA, que se requer seja recebida, citado o acusado para se defender e, ao final, seja julgada provada, obedecendo-se todas as formalidades legais, inclusive, com a oitiva da testemunha adiante arrolada (fl. 91, grifei).
O Juízo de primeiro grau recebeu a denúncia em decisão assim fundamentada:
1. Recebo a resposta à acusação apresentada pela defesa do acusado Valdir Lofy às fls. 65-67.
2. Sustentou a defesa, preliminarmente, a inépcia da denúncia, sob o argumento de esta não apontou a data do suposto fato criminoso imputado ao acusado.
A prefacial não merece guarida.
Em que pese a denúncia não tenha consignado a data em que a suposta ameaça teria sido dirigida à vítima pelo acusado, da análise detida do inquérito policial, ao qual a inicial acusatória faz expressa referência, verifica-se que a ausência da aludida informação na peça inaugural se deu por depender de informações a serem melhor esclarecidas durante a instrução criminal , haja vista que nos dos depoimentos prestados na fase indiciária, a vítima apontara que as ameaças por parte do autor sempre foram uma constante , e no tocante à ameaça descrita na denúncia, inclusive, fez referência de que esta seja sempre repetida pelo acusado, quando disse: "Que o autor ainda diz que 'vai me matar, porque do jeito que eu estou não dá mais', se referindo à cegueira da declarante" (fls. 21-22), de sorte que se os detalhes do suposto crime, inclusive quanto ao período que teria sido praticado, dependem de esclarecimentos a serem obtidos durante a instrução, não se pode exigir que a denúncia os aponte expressamente na fase inaugural em que o feito se encontra.
Por outro lado, a ausência de tal informação na denúncia, por si só, não importa em prejuízo à defesa do acusado, sobretudo quando da análise dos autos é possível contextualizar o período em que o crime teria sido praticado, e durante a instrução ser-lhe-á oportunizado o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes.
[...]
Anoto, outrossim, que se após a regular instrução processual se verificar que os fatos se deram em período tal que o crime imputado ao acusado já teria sido atingido pela prescrição, esta será de pronto reconhecida, nos termos do artigo 61, caput, do
Código de Processo Penal. No mais, verifica-se que a denúncia preencheu todos os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, visto conter a exposição dos fato criminoso, com as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do delito e o rol de testemunhas, não havendo que se falar em sua inépcia, motivo por que afasto a preliminar arguida. 3. Considerando que a defesa resguardou-se ao direito de se manifestar quanto ao mérito por ocasião das alegações finais, e que inexistem elementos ensejadores da absolvição sumária da acusada, porquanto não se mostram presentes nenhuma das situações elencadas pelo artigo 397 do CPP, e o caderno processual guarda indícios suficientes da autoria e prova preliminar da materialidade, designo audiência de instrução e julgamento para o dia 21-9-2017, às 13:30 horas. 4. Intimem-se (fl. 110-111, destaquei).
Inconformada com a acusação, a defesa ingressou com habeas corpus perante o Tribunal de Justiça local, por meio do qual pleiteou o trancamento da ação penal por inépcia da inicial. A ordem, no entanto, foi denegada pelos seguintes fundamentos:
[...]
Assim, como bem ressaltado pelo togado de origem, a ausência da informação acerca da data do evento delituoso na peça inaugural se deu por depender de informações a serem melhor esclarecidas durante a instrução criminal, haja vista que nos depoimentos prestados na fase indiciária, a vítima apontou que as ameaças por parte do paciente sempre foram uma constante, mas sem narrar um dia específico.
No mesmo contexto, ainda, conforme antes registrado, a narrativa criminosa contida possibilitou o exercício da ampla defesa e do contraditório do acusado, tanto que ele negou os fatos em sede de resposta à acusação (p. 82⁄84 dos autos originários).
[...]
Conclui-se, portanto, que a denúncia ofertada em detrimento do paciente não se mostra inepta, pois apresenta conformidade com os requisitos essenciais elencados no art. 41, do Código de Processo Penal, e embasada em lastro probatório mínimo que evidencia a sua justa causa, consubstanciada na prova da materialidade e nos indícios de autoria que recaem sobre o acusado. Quanto ao segundo ponto do reclamo, igualmente não assiste razão ao impetrante, pois o despacho que recebe a denúncia prescinde de fundamentação.
[...]
À vista do exposto, o voto é no sentido de denegar a ordem (fls. 137-138, destaquei).
II. Inépcia da denúncia
Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento do processo em habeas corpus, por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações estas que constato caracterizadas na espécie.
Tendo em vista que a denúncia é uma peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do jus puniendi, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao investigado o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa. Na verdade, a própria higidez da denúncia opera como uma garantia do réu.
Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, "A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
Por sua vez, no juízo de admissibilidade da acusação, em grau de cognição superficial e limitado, prevê o art. 395 do CPP:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
I - for manifestamente inepta; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Logo, a denúncia deve ser recebida se, atendido seu aspecto formal (art. 41, c⁄c o art. 395, I, ambos do CPP) e identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual quanto das condições para o exercício da ação penal (art. 395, II, do CPP), a peça vier acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP).
A Corte de origem argumentou que "a ausência da informação acerca da data do evento delituoso na peça inaugural se deu por depender de informações a serem melhor esclarecidas durante a instrução criminal, haja vista que nos depoimentos prestados na fase indiciária, a vítima apontou que as ameaças por parte do paciente sempre foram uma constante, mas sem narrar um dia específico" (fl. 137, grifei).
Vejo a denúncia narrar que o acusado ameaçou sua companheira de morte, por, supostamente, não mais tolerar conviver com a apontada deficiência visual da vítima. Foi, também, narrado que ele "ameaçou [...] com palavra e gesto de causar mal injusto e grave".
Todavia, conforme dito na decisão que deferiu a liminar, observo que, aparentemente, a peça acusatória não trouxe, com um mínimo de precisão, a exposição circunstanciada no tocante ao fato criminoso – especialmente a data ou, ao menos o período, em que se deram as supostas ameaças –, conforme as diretrizes estabelecidas pelo art. 41 do CPP, dificultando a compreensão por parte do acusado, em nítido prejuízo ao seu amplo direito de defesa.
Segundo remansosa jurisprudência desta Corte, "A descrição deficiente da conduta delitiva e a narrativa que não enseja o esclarecimento mínimo da suposta autoria tornam a denúncia inepta, o que traduz manifesto constrangimento ilegal, possível de ser debelado pela via do mandamus, haja vista o patente prejuízo à ampla defesa" (HC n. 199.469⁄PE, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 28⁄06⁄2012).
Registre-se, ademais, que, em 19⁄1⁄2015, o próprio Juízo de primeiro grau julgou extinta, sem resolução de mérito, o pedido de medida protetiva formulado pela sua companheira por considerar que:
a) [...] os autos somente foram instruídos com o boletim de ocorrência e o depoimento da ofendida, carecendo de qualquer outro elemento probatório, até mesmo a tomografia referente às fraturas internas ou laudo de corpo de delito, exames comprovando a deficiência visual, ou ainda, qualquer comprovação quanto a propriedade do imóvel em que o casal reside;
[...]
b) [...] não há motivos para concluir que a integridade física ou psicológica da ofendida está ameaçada, não havendo indicativos do perigo do direito ( periculum in mora ), e diante das peculiaridades que envolvem o caso, entendo que o pedido deve ser indeferido (fls. 33-34).
IV. Dispositivo
À vista do exposto, concedo a ordem, a fim de, confirmada a liminar, declarar a inépcia da denúncia e anular, ab initio, o Processo n. 0000114-38.2015.8.24.0011, da Vara Criminal da Comarca de Brusque – SC, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor do paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor deste decisum às instâncias ordinárias.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Números Origem: 00001143820158240011 028420150087 082015000138841 1143820158240011 28420150087 40087257120178240000 82015000138841
EM MESA | JULGADO: 03⁄09⁄2019 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NEFI CORDEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
ADVOGADO | : | DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
IMPETRADO | : | TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA |
PACIENTE | : | VALDIR LOFY |
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a liberdade pessoal - Ameaça
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Documento: 1859316 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 09/09/2019 |