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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE |
RECORRENTE | : | IZAIAS BATISTA DE ARAUJO |
ADVOGADO | : | IZAIAS BATISTA DE ARAÚJO (EM CAUSA PRÓPRIA) - DF024532 |
RECORRIDO | : | BANCORBRAS HOTEIS, LAZER E TURISMO S.A |
RECORRIDO | : | COMPANHIA BANCORBRAS DE ADMINISTRACAO E NEGOCIOS |
ADVOGADOS | : | PAULO ERNESTO SCHEUNEMANN CIDADE - RS008327 |
RENATO PIERINI CIDADE - RS040900 | ||
ADVOGADA | : | MARCELA DE LIMA DA COSTA - DF025812 |
EMENTA
ACÓRDÃO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recurso especial interposto por Izaias Batista de Araujo, com fundamento no art. 105, III, a, da CF, contra acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 3.092):
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 3.117-3.126 e 3.167-3.178).
Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 3.182-3.200), o recorrente aponta violação dos arts. 489, 1.022 e 1.025 do Código de Processo Civil de 2015; 6º, 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor; e 104 do Código Civil de 2002.
Sustenta, em síntese, a ausência de prestação jurisdicional, a falta de fundamentação e violação à norma consumerista, tendo em vista que esta não admite a perda de direitos pelo consumidor, nem mesmo quando objeto de contrato, inadmitindo também a fixação unilateral de encargo ou ônus, o que evidencia a ofensa aos citados dispositivos de lei federal pelo acórdão recorrido. Aduz ser ilegal e abusivo excluir do consumidor o direito de acumular diárias de hotéis já adquiridas e sem contrapartida.
Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 3.206-3.211).
O Tribunal de origem não admitiu o processamento do recurso especial em virtude da inexistência de demonstração da afronta aos dispositivos apontados e da incidência da Súmula n. 7 desta Corte (e-STJ, fls. 3.213-3.215), dando azo à interposição do AREsp n. 1.607.207⁄DF, no qual foi determinada a reautuação em recurso especial.
É o relatório.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a definir se é nula a estipulação de prazo decadencial ânuo em contrato de prestação de serviços por afronta ao Código de Defesa do Consumidor, bem como a abusividade de cláusula que prevê o reajuste do preço de forma unilateral.
1. Da alegação de ofensa do art. 1.022 do CPC⁄2015
Argumenta o recorrente que o acórdão recorrido é omisso e que o acórdão que julgou os embargos de declaração opostos não teria mencionado nenhum dispositivo legal sequer, em sua fundamentação. Requer, assim, seja conhecido o recurso especial nos termos do art. 1.025 do CPC⁄2015.
Com efeito, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que é possível a supressão de instância prevista no art. 1.025 do CPC⁄2015, nas hipóteses em que, alegada a violação do art. 1.022 do CPC⁄2015, constata-se o vício.
Nesse sentido (sem destaques no original):
Esse é o caso dos autos, uma vez que não houve a indicação de nenhum fundamento legal pelo acórdão recorrido e, opostos os embargos de declaração para fins de prequestionamento e viabilização do recurso especial, o Tribunal a quo se manteve silente.
Acrescenta-se que, a despeito da ausência de manifestação expressa acerca dos dispositivos legais utilizados como razão de decidir, o acórdão recorrido foi expresso em afastar a abusividade da decadência convencional, reconhecendo que o recorrente tinha conhecimento de sua existência e da sistemática de utilização das diárias, além de considerá-la proporcional e adequada ao serviço fornecido pelas recorridas. Nota-se, portanto, que o conteúdo normativo dos dispositivos legais indicados podem ser inferidos dos fundamentos lançados.
Desse modo, em homenagem à celeridade e à economia processual, é recomendável que se conheça do recurso especial quanto ao ponto, devendo serem tidos por prequestionados os artigos apontados como violados, nos termos do art. 1.025 do CPC⁄2015, e evitar a anulação de acórdão e reabertura de prazos recursais tão somente para que se indique o direito positivo utilizado.
2. Alegação de nulidade do reajuste do preço
No que tange à alegação de nulidade da cláusula de reajuste do preço, nota-se que o acórdão recorrido afastou a alegação a partir de análise de conteúdo fático-probatório, bem como de interpretação contratual, mediante a qual concluiu que os reajustes eram razoáveis e, por isso, legais.
Nesse passo, obstam o conhecimento do recurso especial os Enunciados n. 5 e 7, ambos da Súmula Jurisprudencial do STJ.
3. Nulidade de prazo decadencial convencional para utilização de diárias
O cerne do presente recurso é verificar se é juridicamente possível a previsão de prazo para utilização do serviço contratado, sob pena da perda do direito de utilização. Nota-se que a presente demanda foi proposta pelo recorrente com o objetivo de ver reconhecido seu direito de utilização das diárias adquiridas ao longo de um ano, por prazo indeterminado, apontando como fundamento legal as normas do Código de Defesa do Consumidor.
Conforme consta da sentença, inteiramente mantida pelo acórdão recorrido, a relação jurídica mantida entre as partes tem origem em contrato de aquisição de títulos de clube de turismo, por meio do qual o recorrente passa a ter direito a 7 (sete) dias, não cumulativas, de hospedagem em hotel conveniado a cada período anual de contribuição do participante para manutenção da entidade. Assim, o crédito desse direito de hospedagem é feito anualmente na data de aniversário de associação e deve ser utilizado no prazo subsequente de 1 (um) ano, sob pena da perda do direito às respectivas diárias.
Sustenta o recorrente, em síntese, a impossibilidade de estipulação que exclua direito do consumidor, mormente porque a estipulação seria lançada de forma unilateral, estabelecendo vantagem desproporcional.
De início, deve-se destacar que o Código de Defesa do Consumidor não se dedicou ao estabelecimento de regras específicas acerca da estipulação de prazos decadenciais às relações de consumo, de modo que se mantêm plenamente eficazes as regras de direito civil, que, por sua vez, admitem a convenção da decadência (art. 211, CC⁄2002). Nesse contexto, não há dúvida de que é possível a convenção do prazo para utilização das diárias adquiridas, restando tão somente verificar se esta convenção violaria o art. 51 do CDC.
Com efeito, ao estabelecer as normas destinadas à proteção contratual do consumidor, o legislador não revogou a liberdade contratual, impondo-se apenas uma maior atenção ao equilíbrio entre as partes, numa relação naturalmente desequilibradas. A proteção contratual não é, portanto, sinônimo de impossibilidade absoluta de cláusulas restritivas de direito, mas de imposição de razoabilidade e proporcionalidade, sempre se tomando em consideração a natureza do serviço ou produto contratado.
Nesse cenário, a boa-fé objetiva é o princípio basilar decisivo para aferição do abuso de direito, especialmente quando indiscutível o respeito ao dever de informação, como foi reconhecido pelas instâncias ordinárias no caso dos autos. Nesse mesmo sentido, afirma Nelson Nery Júnior que "a boa-fé na conclusão do contrato de consumo é requisito que se exige do fornecedor e do consumidor (art. 4º, nº III, CDC), de modo a fazer com que haja 'transparência' e 'harmonia nas relações de consumo' (art. 4º, caput, CDC), mantido o equilíbrio entre os contratantes" (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 450-451).
No caso concreto, todavia, deve ainda se ter em consideração que a recorrida Bancorbras, à época do ingresso do recorrente, bem como da propositura da presente demanda, em 2009, constituía clube de turismo, dotado, portanto, de natureza jurídica de associação, sem fins lucrativos, com a finalidade de alcançar benefícios aos seus associados na hospedagem em hotéis conveniados.
Por meio desse clube colaborativo, os associados tinham acesso a um número predeterminado de diárias, que seriam utilizadas independentemente do pagamento do valor da tarifa. O pagamento ao hotel era realizado pela própria entidade recorrida, que fazia frente a essas despesas em razão de taxas mensais de manutenção recebidas de seus associados. Nessa sistemática não se afigura desproporcional a estipulação de prazo decadencial para utilização das diárias por cada um dos associados. Ao contrário, o estabelecimento de prazo, seja ele qual for, permite à associação administrar as diárias e as prestações mensais com maior previsibilidade e transparência.
Ao adquirir títulos desse clube, em 1992, o recorrente passou à condição de associado, devendo observância a todas as regras regimentais do clube, o que efetivamente cumpriu. Nota-se que a sentença deixou assente que, entre 1992 e 2009, o ora recorrente se adequou à previsão decadencial, sem demonstrar nenhuma insatisfação com seu conteúdo, reforçando ainda sua anuência com as estipulações regimentais.
No quadro fático assentado pelas instâncias ordinárias à luz das provas constantes dos autos, o Código de Defesa do Consumidor não teria incidência para os fins de regular a relação entre a entidade e seus associados, como pretendido pelo recorrente. Isso porque a relação entre os associados e a entidade é de pertencimento, de modo que os estatutos e regimentos organizam a participação e a contribuição de cada um para a realização do escopo comum em favor de toda a comunidade de associados, e não concretizam uma relação de consumo.
Mesmo nos casos em que a realização do objeto social do ente associativo envolve a prestação de serviços pela associação aos associados, falta a essa relação o elemento essencial das relações de consumo, qual seja, o fornecimento de bens e serviços em mercado de consumo (art. 3º, § 2º, do CDC). Tanto é assim que o fornecimento de seus serviços é destinado exclusivamente aos associados, podendo a associação recusar o fornecimento do mesmo serviço a terceiros, o que não é assegurado aos fornecedores de serviços ao mercado, conforme expressa vedação do art. 39, IX, do CDC:
Importante frisar que esse entendimento não se choca com o adotado pela Quarta Turma no julgamento do Recurso Especial n. 1.378.284-PB, no qual se decidiu pela aplicação da lei consumerista para impor a responsabilização solidária por defeito do serviço prestado pela Bancorbrás.
O referido acórdão foi assim ementado:
Desse modo, não haveria sequer que se cogitar da incidência da legislação consumerista para a interpretação e aferição de abusividade da convenção do prazo decadencial. Entretanto, ainda que fosse o caso de sua aplicação, também por esse viés não deveria ser anulada a previsão do prazo convencional, porque proporcional à espécie de serviço em questão, além de atendidos o dever de informação e a boa-fé na contratação, cabendo sublinhar que a proteção contratual do consumidor não perde o caráter geral de garantir previsibilidade e segurança às relações jurídicas, resguardando as legítimas expectativas mútuas. Admitir a imputação de nulidade à estipulação que vigorou entre as partes por quase 20 (vinte) anos, sem nenhum questionamento, seria vilipendiar a legítima expectativa das recorridas na estabilidade da relação mantida entre as partes.
À vista desses fundamentos, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe provimento.
É como voto.
Número Registro: 2017⁄0052697-7 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.778.574 ⁄ DF |
PAUTA: 18⁄06⁄2019 | JULGADO: 18⁄06⁄2019 |
RECORRENTE | : | IZAIAS BATISTA DE ARAUJO |
ADVOGADO | : | IZAIAS BATISTA DE ARAÚJO (EM CAUSA PRÓPRIA) - DF024532 |
RECORRIDO | : | BANCORBRAS HOTEIS, LAZER E TURISMO S.A |
RECORRIDO | : | COMPANHIA BANCORBRAS DE ADMINISTRACAO E NEGOCIOS |
ADVOGADOS | : | PAULO ERNESTO SCHEUNEMANN CIDADE - RS008327 |
RENATO PIERINI CIDADE - RS040900 | ||
ADVOGADA | : | MARCELA DE LIMA DA COSTA - DF025812 |
Dr (a). MARCELA DE LIMA DA COSTA, pela parte RECORRIDA: BANCORBRAS HOTEIS, LAZER E TURISMO S.A
Documento: 1840611 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 28/06/2019 |