6 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência |
RELATOR | : | MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE |
RECORRENTE | : | ANGEL MÓVEIS LTDA |
ADVOGADO | : | VIRGILIO CESAR DE MELO E OUTRO (S) |
RECORRENTE | : | INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI |
PROCURADOR | : | LIANA FERREIRA DE SOUZA LANNER E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | OS MESMOS |
RECORRIDO | : | COMERCIAL MAGA MÓVEIS LTDA |
ADVOGADO | : | MARCANTONIO MUNIZ |
EMENTA
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recursos especiais interpostos por Angel Móveis Ltda. e Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI fundamentados na alínea a do permissivo constitucional.
Depreende-se dos autos que a recorrida Comercial Maga Móveis Ltda. propôs ação de nulidade de registro de marca contra ambos os recorrentes, impugnando a concessão do registro da marca MAGA MÓVEIS & ELETROS, na classe NCL (7) 35 em favor da recorrente Angel.
Em sentença, julgou-se procedente o pedido para declarar nulo o registro n. 823.634.353, por violação do art. 24, V e XIX, da Lei n. 9.279⁄96, condenando os recorrentes ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, rateados igualmente entre os recorrentes.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento às apelações interpostas por ambos os recorrentes, bem como à remessa oficial, em acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 2.718):
Os recorrentes opuseram embargos de declaração, os quais foram rejeitados (e-STJ, fls. 2.729-2.735).
Nas razões do presente recurso especial, sustenta a empresa Angel, em suma, violação do art. 129 da Lei n. 9.279⁄96, ao fundamento de que os registros de marca regem-se pelos princípios da anterioridade e da especialidade. Desse modo, argumenta que seu registro na classe NCL (7) 35 é anterior e não pode ser obstado pela existência de registro que, embora anterior, foi realizado em classe distinta.
Por sua vez, o INPI recorre do acórdão para alegar violação dos arts. 535 e 50 do CPC; 175 da Lei n. 9.279⁄96; e 24-A da Lei n. 9.028⁄95. A par da inadequação da prestação jurisdicional, sustenta ter intervindo na presente demanda como assistente litisconsorcial da autora, a interessada Comercial Maga Móveis Ltda. Isso porque se manifestou nos autos claramente em favor da demandante, defendendo a nulidade do registro e a procedência da ação.
Desse modo, conclui por ser indevida sua condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios em igualdade de condições com a recorrente Angel.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a definir: i) se o registro de marcas semelhantes porém em classes distintas é suficiente, por si só, para atrair a incidência do princípio da especialidade e viabilizar a convivência saudável das marcas; ii) se houve adequada entrega da prestação jurisdicional; e iii) qual a condição processual do INPI nas demandas de anulação de registro de marcas, com a consequente possibilidade de responsabilização pelas despesas sucumbenciais.
- Dos contornos fáticos da lide.
Trata-se de disputa pela exploração exclusiva de marca, a qual era explorada sem registro pela empresa recorrida desde sua constituição. Após a cisão parcial da recorrida, com versão de parte de seu patrimônio incorporado pela empresa recorrente, ambas passam a explorar a marca, sem registro, em esferas municipais distintas.
Após a cisão, ambas as empresas litigantes buscaram a obtenção do registro perante o INPI, porém em classes distintas. Segunda consta da sentença, a recorrida depositou o pedido relativo à marca M MAGA MÓVEIS & ELETROS nas classes 9 e 20 em 02.06.2000, enquanto a recorrente Angel depositou o pedido relativo à marca MAGA MÓVEIS & ELETROS na classe 35 em 31.07.2001.
Contudo, diante de posterior cessão pela recorrente Angel para exploração da marca por empresas terceiras, atuantes na mesma cidade de Guarapuava-PR – onde atua a recorrida, esta passou a opor-se à utilização da marca, inclusive pleiteando na presente demanda a anulação do registro concedido à recorrente.
Recurso especial de Angel Móveis Ltda.
Ao decidir a presente demanda, a sentença concluiu pela procedência do pedido de nulidade sob o fundamento de prevalência do registro depositado em primeiro lugar, afastando expressamente o critério da especialidade por atuarem ambas as empresas no mesmo nicho empresarial. Este entendimento acabou confirmado pelo Tribunal de origem.
Com efeito, também esta Terceira Turma comunga do entendimento de que a distinção em classes, conquanto consista em importante indício para aplicação do princípio da especialidade, não tem caráter absoluto, devendo ceder sempre que a afinidade concreta viabilize confusão no mercado consumidor ou desvirtue os padrões concorrenciais.
Nesse sentido:
A fim de afastar qualquer interpretação que se possa extrair desse segundo precedente no sentido de que a mera distinção de classes seria suficiente para afastar nulidade da concessão do registro, peço licença para complementar esse segundo acórdão com relevante trecho do voto condutor:
Nota-se daí que o fato de estarem as marcas registradas em classes distintas não foi, por si só, o fundamento suficiente para a formação do entendimento acolhido, mas apenas mais um reforço ao entendimento. Isso porque havia, naquela situação concreta, elementos distintivos suficientes que afastavam qualquer dúvida razoável no mercado.
Contudo, na hipótese dos autos, a situação concreta é absolutamente distinta. Aqui a semelhança foi reconhecida pelas instâncias ordinárias, o que já seria o suficiente para obstar a alteração da conclusão por atração do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Outrossim, no acórdão reconheceu-se que o âmbito de atuação comercial das empresas litigantes é exatamente o mesmo – fato este sobre o qual nem sequer houve insurgência recursal.
Assim, o simples fato de os registros terem sido efetuados em classes distintas não é suficiente para afastar a confusão no mercado consumidor, caracterizando ainda concorrência parasitária daquela empresa que, mediante a incorporação de parte do patrimônio da empresa cindida pretende explorar a marca que não desenvolveu.
Ressalte-se, ademais, que ainda que não haja o direito de exclusividade para marcas não registradas, as quais de fato somente são adquiridas pelo registro perante o INPI (art. 129 da Lei n. 9.279⁄96), também o título de estabelecimento goza de proteção, enquanto direito imaterial constitucionalmente protegido. E, nesse diapasão, a pretensão de aquisição ou de exploração do título de estabelecimento da empresa cindida necessitaria de contratação específica no ato de cisão parcial⁄incorporação – o que não se verificou na hipótese dos autos, fato igualmente reconhecido pelas instâncias ordinárias e incontroverso no presente recurso especial.
Assim, jungido pelos contornos fáticos bem delimitados no acórdão recorrido, não há como afastar o reconhecimento de que o registro das marcas, por sua semelhança, é apto a gerar dúvida razoável no espírito do consumidor e a desvirtuar a concorrência entre as empresas litigantes. Desse modo, a distinção de classes não se sobrepõe à realidade fática, devendo ser mantido o acórdão recorrido quanto ao reconhecimento da nulidade da marca registrada em segundo lugar.
Recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.
Preliminarmente, sustenta o INPI a existência de nulidade no acórdão recorrido, porquanto ao manter sua condenação solidária em despesas de sucumbência, o acórdão recorrido teria deixado de analisar a questão à luz do art. 175 da Lei n. 9.279⁄96; 50 do CPC e 4º, I, da Lei n. 9.289⁄96 c⁄c 30 da MP 2.180-35⁄01 que acrescentou o art. 24-A na Lei n. 9.028⁄95.
Verifica-se, contudo, que o tribunal de origem, instado a se manifestar acerca da condenação em custas e honorários advocatícios, assim fundamentou sua conclusão (e-STJ, fl. 2730):
Desse trecho, tem-se que houve, de forma inequívoca, o enfrentamento dos temas suscitados pelo INPI, ainda que a conclusão tenha se encerrado de forma contrária à pretendida pelo embargante, ora recorrente. Destarte, afasta-se a alegação de violação do art. 535 do CPC.
No mérito recursal, segundo discorre o INPI, sua condenação solidária quanto ao pagamento de honorários advocatícios estaria obstada na hipótese dos autos, em razão do que disciplina o art. 175, caput, da LPI, in verbis:
Assim, argumenta que a participação do INPI é de mera intervenção e que, na hipótese, teria atuado como assistente da autora, porquanto reconheceu que lhe assistia razão desde sua primeira manifestação nos autos.
Com efeito, o tema acerca da natureza jurídica da intervenção do INPI, nas ações de nulidade de marcas e patentes, é controvertido na doutrina e jurisprudência. Isso porque, de fato, a lei impõe a participação do INPI, presumindo a existência de um interesse jurídico que não se confunde com o interesse individual das partes. Em regra, enquanto os particulares disputam um direito patrimonial, calcado essencialmente em objetivos fático-econômicos, o INPI compromete-se com a defesa do interesse social difuso: o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Noutros termos, por não se comprometer com o interesse individual de quaisquer das partes, o INPI, ao menos em tese, tem posição processual própria e independente da vontade das partes litigantes, o que de fato distancia a intervenção da LPI das intervenções típicas previstas no CPC – o qual somente se aplica de forma subsidiária às demandas de nulidade de registro marcário. Assim, não haveria que se cogitar da aplicação do art. 50 do CPC, porquanto a assistência é instituto voluntário, ao passo que a intervenção da LPI é obrigatória.
Na situação concreta, todavia, a solução se distingue da regra legal, uma vez que há peculiaridades relevantes a serem tomadas em consideração.
Aqui, como bem reconheceram a sentença e o acórdão, a empresa recorrida direcionou sua demanda de forma expressa contra o INPI. E essa indicação da autarquia no polo passivo da demanda não foi aleatória, mas justificada pela situação fática, qual seja, a existência de prévio requerimento administrativo para declarar a nulidade do registro marcário concedido à recorrente Angel.
O INPI, no entanto, a despeito de sua competência legal para analisar e anular, até mesmo de ofício, os registros concedidos com ofensa à lei, deixou de dar andamento ao procedimento administrativo, o que resultou na judicialização da demanda.
Desse modo, a causa de pedir da recorrida não ficou limitada a concessão indevida do registro, mas incluiu o não processamento do procedimento administrativo, situação imputável exclusivamente à autarquia.
Assim, a demanda foi corretamente direcionada ao INPI que, sim, compôs a lide como autêntico réu, devendo portanto suportar todos os ônus de sua sucumbência.
Outrossim, não prospera o argumento de que, desde o início, manifestou-se favorável ao pleito da autora, deslocando-se para o polo ativo da demanda. Note-se que, não houve qualquer justificativa para o não processamento da demanda, o que mantém hígida a ação direcionada contra o INPI – aliás, nem sequer a autarquia traz alegações para afastar a ação proposta em razão de sua inércia. Sua atuação, na verdade, limitou-se a reconhecer a procedência da demanda, o que, contudo, não afasta a condenação em honorários de sucumbência, nos claros termos do art. 26 do CPC:
Daí se extrai que o INPI, tendo incontroversamente dado causa à judicialização da demanda e reconhecido judicialmente a procedência do pedido, deve responder pelos honorários de advogado, em solidariedade com sua litisconsorte passiva, a recorrente Angel.
No que tange à condenação ao pagamento de custas processuais, sustenta o INPI que, devido à sua natureza de autarquia federal, é isento de seu pagamento, sendo incabível sua condenação solidária à empresa Angel.
Em julgamento de embargos de declaração, o Tribunal de origem consignou, todavia, que o recorrente deveria ser responsabilizado pelo seu pagamento, uma vez que a isenção pretendida resultaria na igual desobrigação quanto ressarcimento devido à parte vencedora (e-STJ, fl. 2.730).
Nesse ponto, assiste razão à autarquia recorrente.
Com efeito, os arts. 4º da Lei n. 9.289⁄96 e 24-A da Lei n. 9.028⁄95 deixam clara a exoneração tributária da Fazenda Pública Federal quanto às custas processuais:
Essa isenção tem sido amplamente observada no âmbito dos julgamentos desta Corte Superior, reconhecendo a natureza tributária (taxa) das custas processuais e diferenciando-as das meras despesas – as quais são caracterizadas por se destinarem à remuneração de terceiros.
Nesse sentido, a Primeira Seção do STJ já consolidou seu entendimento por meio de julgamento submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, cujas teses encontram-se assim ementadas:
Ademais, não procede a preocupação externada no voto condutor do julgamento dos aclaratórios na origem, porquanto a própria lei deu solução expressa às hipóteses em que a Fazenda Pública for sucumbente. Nessa situação, estabelece o parágrafo único do art. 4º da Lei n. 9.289⁄96 que a pessoa jurídica sucumbente, ainda que isenta das custas, deverá ressarcir o vencedor que as tiver adiantado:
Nessa esteira, o STJ tem delimitado a condenação do ente público em custas processuais ao montante de reembolso devido, conforme se verifica no trecho da seguinte ementa:
Na hipótese dos autos, a Fazenda Pública – aqui representada pelo INPI – atuou em litisconsórcio passivo, de modo que sua sucumbência deu-se em solidariedade com particular. Desse modo, houve a condenação dos recorrentes sucumbentes ao pagamento de custas, que a princípio deveriam ser rateadas igualmente entre ambas as partes.
Essa condenação, todavia, deve ser compatibilizada com a isenção tributária assegurada legalmente, nos termos da legislação mencionada, atraindo aí a incidência do art. 125 do CTN, segundo o qual:
Em síntese, concluo que a condenação da Fazenda Pública em custas deverá ficar restrita ao valor do reembolso à recorrida Comercial Maga Móveis Ltda., devendo ficar exonerada de sua parcela nas custas finais.
À vista desses fundamentos, conheço dos recursos especiais para:
i) negar provimento ao recurso de Angel Móveis Ltda.; e
ii) dar parcial provimento ao recurso do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, a fim de exonera-lo do pagamento de sua parcela relativa às custas, devendo entretanto reembolsar a recorrida Comercial Maga Móveis Ltda. pela taxa por ela antecipada, em solidariedade com a recorrente Angel Móveis Ltda.
É como voto.
Número Registro: 2011⁄0126633-8 | PROCESSO ELETRÔNICO | REsp 1.258.662 ⁄ PR |
PAUTA: 02⁄02⁄2016 | JULGADO: 02⁄02⁄2016 |
RECORRENTE | : | ANGEL MÓVEIS LTDA |
ADVOGADO | : | VIRGILIO CESAR DE MELO E OUTRO (S) |
RECORRENTE | : | INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI |
PROCURADOR | : | LIANA FERREIRA DE SOUZA LANNER E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | OS MESMOS |
RECORRIDO | : | COMERCIAL MAGA MÓVEIS LTDA |
ADVOGADO | : | MARCANTONIO MUNIZ |
Documento: 1481014 | Inteiro Teor do Acórdão | - DJe: 05/02/2016 |