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- 2º Grau
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Decisão Monocrática
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.165 - CE (2009/0239802-0)
REQUERENTE : MUNICÍPIO DE MILAGRES
ADVOGADO : VICENTE BANDEIRA DE AQUINO NETO E OUTRO(S)
REQUERIDO : DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ
DECISÃO
Cuida-se de pedido de suspensão de liminar proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 2008.0031.7533-9 e confirmada pela sentença prolatada em 10.7.2009 pelo Juiz de Direito da Comarca de Milagres–CE. A matéria versa sobre a impossibilidade do recebimento pelos servidores públicos de remuneração inferior ao piso nacional de salário, tendo como fundamento a regra inserida no art. 39, § 3º, c/c o art. 7º, IV, da Constituição Federal.
A parte final da sentença foi lavrada nos seguintes termos:
"Isto posto, com fulcro no art. 39, § 3º, c/c art. 7º, IV, ambos da Constituição Federal, c/c art. 29, I, e art. 330, I, ambos do CPC, julgo PROCEDENTE o pedido, para determinar que o município adote o valor do salário mínimo nacional como piso remuneratório de seus servidores, independentemente do tamanho da jornada individual de trabalho. Por conseguinte, ratifico a decisão liminar de fls. 138/151" (fl. 52).
Após o indeferimento de um primeiro pedido de suspensão de liminar e sentença, decisão da lavra do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, vem o presente requerimento, em que a municipalidade busca sustentar a ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas.
Argumenta o requerente que, com a decisão impugnada, "haverá exacerbado aumento de despesa pública mensal aos cofres municipais, cujo fato, por si só, já seria mais do que suficiente para demonstrar a lesão às finanças públicas municipais" (fl. 4).
Sustenta, ainda, que será "prejudicados o custeio das demais atividades básicas do Município, como a saúde e a educação, sendo nítida a potencialidade danosa e o iminente risco de descontinuidade na prestação dos
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serviços públicos essenciais ou a sua prestação ineficiente" (fl. 4).
Aduz que a ordem pública resta violada, na medida em que, "à luz do
art. 169, § 1º, I da Constituição Federal, a concessão de qualquer vantagem ou
aumento de remuneração, a qualquer título, só poderá ser feita desde que haja
prévia dotação orçamentária, dependendo, pois, de autorização legislativa
específica". Com isso, sustenta o requerente que ocorreu flagrante "ingerência do
Judiciário na esfera de atribuições do Executivo" (fl. 5).
Ao final, sustenta "a legitimidade do pacto de percepção de salário
mínimo proporcional à jornada praticada, sem que se possa entrever, nesse
contexto, qualquer tipo de afronta, oblíqua ou frontal, aos ditames constitucionais" (fl.
10).
Passo a decidir.
A fundamentação da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal demarca a constitucionalidade da questão. Transcrevo trecho nas razões da inicial:
"Conforme já salientado, define a Constituição da República ser direito social do trabalhador, nos termos do inciso IV, do seu art. 7º., a percepção de salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Se nos termos do art. 1º., da lei n. 11.709, de 19 de junho de 2008, o valor deste salário mínimo corresponde ao valor de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais), parece lógico que desse valor o Município de Milagres não pode se afastar, sob pena de ferir frontalmente o texto constitucional.
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Se o próprio Supremo Tribunal Federal, segundo anota ALEXANDRE DE MORAES, in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional (Editora Atlas S/A: São Paulo, 2002), reconhece que o legislador não atende ao preceito constitucional ao fixar o valor do salário mínimo em valor insuficiente para atender o comando constitucional, imagine-se admitir que a Administração Pública de Milagres, por exemplo, pague apenas metade desse valor a um servidor público.
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Como se viu, segundo o Supremo Tribunal Federal, 'A cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política – para além da proclamação da garantia social do Salário Mínimo –
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consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo'" (fl. 67-69).
A sentença, igualmente, foi concedida com base em fundamentação
jurídica constitucional, sendo oportuno reproduzir as seguintes passagens:
"A previsão do salário mínimo está no Direito Constitucional brasileiro desde 1934. O salário mínimo deve ser o mesmo para todo o território nacional, não se admitindo pagamento inferior em hipótese alguma, salvo emenda constitucional superveniente, uma vez que o Pretório Excelso tem firmado entendimento pacífico no sentido de que as normas constitucionais que atribuem a servidores públicos vencimentos não inferiores ao salário mínimo nacional são auto-aplicáveis, independentes, pois da lei a que se refere o art. 61, § 1º, II, 'a', da CF.
A Constituição Cidadã elevou à categoria de direito fundamental de todo trabalhador o recebimento de salário nunca inferior ao piso nacional de salário (art. 7º, IV). Esse mesmo direito fundamental foi estendido aos servidores ocupantes de cargos públicos, nos exatos termos do art. 39, § 3º, da nossa Carta Política.
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Dessa forma, como a Constituição Federal assegura um piso nacional de salário a todo trabalhador (art. 7º, IV) ou servidor público (art. 39, § 3º), independentemente do regime jurídico da relação de trabalho, que atualmente é de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais), nos exatos termos da MP nº 465, de 30.01.2009, a ser pago a partir de 01.02.2009. Com isso, não há falar em pagamento de salário de qualquer servidor público inferior ao valor desse salário mínimo nacionalmente unificado, ainda que a jornada de trabalho seja reduzida. E com mais razão aos servidores públicos que não podem, de forma geral, cumular cargo ou função pública.
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E nem se diga que o fato de remunerar seus servidores com o salário mínimo constitucional afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois acima desta está a Constituição Federal" (fl. 44-50).
Observo que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Suspensão de Segurança n. 2.918/SP, entendeu "que, 'para a
determinação da competência do Tribunal, o que se tem de levar em conta, até
segunda ordem, é – segundo se extrai, mutatis mutandis, do art. 25 da Lei 8.038/90–
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o fundamento da impetração: se este é de hierarquia infraconstitucional, presume-se que, da procedência do pedido, não surgirá questão constitucional de modo a propiciar recurso extraordinário' (Rcl 543, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 29.09.1995)" (decisão monocrática publicada em 19.5.2006, da relatoria da Ministra Ellen Gracie).
Nessa mesma linha de entendimento, o seguinte julgado do STJ:
"AGRAVOS REGIMENTAIS. SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. DEFENSORES PÚBLICOS DO PIAUÍ. ISONOMIA. SUBSÍDIOS. PROMOTORES DE JUSTIÇA ESTADUAIS.
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– Havendo concorrência de matéria constitucional e infraconstitucional, o entendimento desta Corte é no sentido de que ocorre a vis attractiva da competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
Agravos regimentais de fls. 392/396 e 398/418 não conhecidos e improvidos os demais" (AgRg na SS n. 1.743/PI, publicado em 22/10/2007, Corte Especial, da relatoria do Ministro Barros Monteiro).
Ao que se verifica, a questão jurídica em debate encontra-se posta sob a ótica predominantemente constitucional, o que afasta a competência do Superior Tribunal de Justiça para analisar a pretensão.
Ante o exposto, nego seguimento à suspensão de liminar e de sentença no Superior Tribunal de Justiça e determino a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.
Publique-se.
Brasília, 17 de dezembro de 2009.
MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
Presidente
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