7 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Relatório e Voto
RECORRENTE | : | BRASIL TELECOM S/A |
ADVOGADO | : | RENATA ARNAUT ARAUJO LEPSCH E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | OELCI DE SOUZA BRUM |
ADVOGADO | : | PABLO SEFFRIN E OUTRO (S) |
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
1. Oelci de Souza Brum ajuizou ação de cobrança em face de Brasil Telecom S/A, alegando ter celebrado, em 1994, contrato de participação financeira com a extinta Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), sucedida pela ré, no qual aquela se obrigara a subscrever capital relativo a ações adquiridas com a compra de linha telefônica. Aduziu que a empresa somente subscreveu as ações após a majoração do valor unitário destas, o que causou prejuízo ao autor, uma vez que o número de ações subscritas foi inferior ao que teria direito. Pleiteou, ainda, a condenação da ré, Brasil Telecom S/A, a entregar as ações faltantes da Celular CRT Participações S/A, decorrentes da cisão parcial da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), porquanto ficara estipulado que "para cada ação que o titular da linha telefônica possuísse antes da cisão, equivaleria a uma ação da telefonia fixa (CRT) e outra correspondente à telefonia móvel (Celular CRT Participações S/A).
O Juízo de Direito da 12ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais, para condenar a ré a indenizar o autor no valor equivalente a 15.768 ações da CRT, bem como o mesmo número de ações relativas à Celular CRT Participações S/A, cuja apuração deverá respeitar o valor patrimonial da data da integralização; e para condenar a ré ao pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio, decorrentes da diferença de quantidade de ações a que o autor tem direito. (fls. 104/113)
A sentença foi reformada, em grau de apelação, nos termos da seguinte ementa:
- Dividendos devidos.
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 241/245).
Sobreveio, assim, recurso especial da Brasil Telecom S/A, arrimado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no qual se deduzem as seguintes teses:
a) contrariedade aos arts. 3º, 47 e 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, aduzindo ilegitimidade passiva, tendo em vista que a demanda versa sobre ações pertencentes à CRT, sendo de rigor, ademais, a formação de litisconsórcio com esta;
b) negativa de vigência ao art. 287, inciso II, alínea g, da Lei n.º 6.404/76, uma vez que"prescreve em três (03) anos a ação movida pelo acionista contra a companhia, qualquer que seja seu fundamento", inclusive no que concerne aos dividendos, e, subsidiariamente, ofensa ao art. 206, 3º, incisos IV e V, do Código Civil;
c) negativa de vigência dos arts. 332, 475-A e 475-C, inciso II, todos do Código de Processo Civil, porquanto seria indispensável o procedimento de liquidação de sentença, contrariamente o que decidiu o acórdão recorrido, que entendeu tratar-se de cálculos aritiméticos;
d) sinaliza dissídio jurisprudencial em relação à tese acerca da prescrição, bem como do valor patrimonial da ação, carreando aos autos, quanto ao último ponto, acórdão desta E. Segunda Seção, proferido no REsp. n.º 975.834/RS, de relatoria do meu ilustre antecessor, Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Contra-arrazoado (fls. 295/359), o especial foi sobrestado por força do novel art. 543-C, 2º, do CPC. Sendo reapreciada a apelação, nos termos do art. 573-C, 7º, inciso II, CPC, restou mantido o entendimento outrora esposado pela Câmara (fls. 361/367).
Posteriormente, o recurso especial foi admitido (fl. 375).
Em razão da multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte a versarem matéria idêntica, afetei o julgamento do presente feito a esta e. Segunda Seção, para a apreciação dos temas relativos à legitimidade passiva da Brasil Telecom S/A para responder pelas ações não subscritas da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), bem como ao prazo prescricional para se pleitear o pagamento dos dividendos relativos às ações a serem indenizadas .
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo i. Subprocurador-Geral da República Durval Tadeu Guimarães, opina pelo conhecimento do recurso especial e, na extensão, pelo não provimento (fls. 389/394).
É o relatório.
RELATOR | : | MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO |
RECORRENTE | : | BRASIL TELECOM S/A |
ADVOGADO | : | RENATA ARNAUT ARAUJO LEPSCH E OUTRO (S) |
RECORRIDO | : | OELCI DE SOUZA BRUM |
ADVOGADO | : | PABLO SEFFRIN E OUTRO (S) |
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. BRASIL TELECOM. CONTRATO DE PARTICIPAÇAO FINANCEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DIVIDENDOS. PRESCRIÇAO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A Brasil Telecom S/A, como sucessora por incorporação da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), tem legitimidade passiva para responder pela complementação acionária decorrente de contrato de participação financeira, celebrado entre adquirente de linha telefônica e a incorporada.
1.2. A legitimidade da Brasil Telecom S/A para responder pela chamada"dobra acionária", relativa às ações da Celular CRT Participações S/A, decorre do protocolo e da justificativa de cisão parcial da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), premissa fática infensa à análise do STJ por força das Súmulas 5 e 7.
1.3. A pretensão de cobrança de indenização decorrente de dividendos relativos à subscrição complementar das ações da CRT/Celular CRT prescreve em três anos, nos termos do art. 206, 3º, inciso III, do Código Civil de 2002, somente começando a correr tal prazo após o reconhecimento do direito à complementação acionária.
2. No caso concreto, recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMAO (Relator):
2. As questões versadas no presente recurso especial, particularizadas para o Estado do Rio Grande do Sul, são por todos conhecidas. Cuida-se de celeuma instalada entre consumidores adquirentes do direito de uso de linha telefônica, mediante contrato de participação financeira na companhia telefônica, e a Brasil Telecom S/A, sucessora da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT).
O valor pago pelo contratante seria convertido em ações da companhia, a serem subscritas, segundo portarias ministeriais, em até doze meses da data do pagamento pelo comprador. Na prática, o comprador integralizava capital na companhia em determinado exercício financeiro e somente ao término deste as ações correspondentes ao aporte eram integralizadas, segundo valor obtido a partir do balanço patrimonial posterior.
Por sua vez, o número de ações subscritas em favor do adquirente era obtido, nos termos do art. 176, inciso I, da Lei n.º 6.404/76, mediante a divisão do valor do capital aportado pelo valor patrimonial da ação, apurado este por demonstração financeira (balanço). Porém, encontrando-se o País em época de inflação galopante, o diferimento da subscrição das ações para um momento posterior, até doze meses depois do aporte financeiro, acabou por corroer o número de ações a que faria jus o adquirente, porquanto o valor patrimonial da ação, apurado meses depois do investimento, já se encontrava majorado, e, por outro lado, o valor aportado não sofria reajuste.
Nessa senda, multiplicaram-se as demandas judiciais de adquirentes de linha telefônica, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul, a pleitear complementação acionária, com base em valor patrimonial da ação que melhor refletisse o investimento realizado. Pretendiam os consumidores, de regra, fosse considerado o valor unitário da ação com base no balanço patrimonial do exercício anterior, corrigido monetariamente até a data da integralização, ou o valor das cotações na Bolsa de Valores, ao passo que a Companhia sempre insistiu na tese de ser correto o método utilizado por ela, mesmo porque autorizado por normas ministeriais.
Soma-se a isso o fato de que, em janeiro de 1999, a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) cindiu parcialmente seu capital para a constituição de nova companhia, a Celular CRT Participações S/A, restando estipulado que para cada ação que o titular possuísse antes da cisão, equivaleria a uma ação da telefonia fixa (CRT) e outra correspondente à telefonia móvel (Celular CRT). A partir desse cenário, pleiteia-se, em face da Brasil Telecom S/A, complementação acionária em relação às ações não-subscritas de ambas as companhias, CRT e Celular CRT.
Diante da notória multiplicidade de processos que discutem os mesmos temas, afetei a esta e. Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, a análise específica dos pontos relativos à a) legitimidade passiva da Brasil Telecom S/A para responder pela indigitada complementação e b) ao prazo prescricional para a cobrança dos dividendos correspondentes às ações a serem complementadas.
3. Da legitimidade passiva da Brasil Telecom S/A para responder pelas ações não subscritas da CRT/Celular CRT.
A jurisprudência desta Corte é absolutamente tranquila quanto ao tema. Considera-se parte legítima a Brasil Telecom S/A para responder pela complementação das ações relativas à Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), porquanto é sucessora por incorporação desta.
Nesse sentido, são torrenciais os precedentes:
Cito ainda as seguintes decisões monocráticas: REsp. n.º 1.108.855/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Ag. 1.172.615/RS, Rel. Ministro JOAO OTÁVIO DE NORONHA.
Quanto às ações da Celular CRT Participações S/A, também a Brasil Telecom possui legitimidade passiva para a complementação acionária, levando-se em conta o protocolo de cisão, o qual, segundo premissa fática incontroversa, previa que para cada ação que o titular possuísse antes da cisão, equivaleria a uma ação da telefonia fixa (CRT) e outra correspondente à telefonia móvel (Celular CRT). Dessa premissa fática não se pode distanciar, sob pena de vulneração das súmulas 5 e 7.
Em relação à legitimidade da Brasil Telecom S/A para responder pelas ações relativas à Celular CRT Participações S/A, decorrente da cisão da CRT, a chamada" dobra acionária ", a jurisprudência também não vacila:
E da composição atual da Segunda Seção, colho diversas decisões unipessoais: Ag n.º 928.859/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA; REsp. n.º 957.935/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES; REsp. n.º 1.017.203/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha; REsp. n.º 1.029.333/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI; REsp. n.º 1.054.791/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMAO; Ag n.º 1.079.288/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO.
Com efeito, diante da jurisprudência sedimentada no âmbito de ambas as turmas integrantes desta Seção, as teses que encaminho, no particular, para efeitos do art. 543-C do CPC, são as seguintes:
a) A Brasil Telecom S/A, como sucessora por incorporação da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), tem legitimidade passiva para responder pela complementação acionária decorrente de contrato de participação financeira, celebrado entre adquirente de linha telefônica e a incorporada .
b) A legitimidade da Brasil Telecom S/A para responder pela chamada "dobra acionária", relativa às ações da Celular CRT Participações S/A, decorre do protocolo e da justificativa de cisão parcial da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), premissa fática infensa à análise do STJ por força das Súmulas 5 e 7 .
4. Da prescrição da ação para cobrança de indenização decorrente dos dividendos
Pleiteia-se, ademais, a condenação da ré, Brasil Telecom S/A, ao pagamento de dividendos correspondentes à diferença de ações da CRT e Celular CRT Participações S/A. A celeuma, no particular, gira em torno da ocorrência de prescrição/decadência da pretensão ao recebimento dos dividendos, sendo solucionada pelo acórdão recorrido nos seguintes termos:
Nesse passo, mostra-se incensurável o entendimento adotado pelo Tribunal a quo , porquanto consentâneo com a jurisprudência da Casa, bem como com a teoria da actio nata , segundo a qual somente se tem por iniciado qualquer prazo prescricional se existir ação exercitável por aquele em desfavor de quem corre a prescrição.
No caso, sendo os dividendos decorrência lógica da procedência do pedido de complementação acionária, somente a partir daí o autor possuiria uma ação exercitável com escopo de cobrança de tais dividendos.
Por outro lado, no que concerne ao art. 287, II, g, da Lei 6.404/76, a toda evidência, o mencionado preceito, que foi incluído pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, não prima pela melhor técnica.
Primeiramente, não há termo a quo a partir do qual correria o prazo prescricional, diferentemente das demais alíneas do mesmo artigo.
De outra parte, a generalidade da fórmula"qualquer que seja o seu fundamento", se levada às últimas conseqüências, poderia conduzir a situações teratológicas.
Diante das imperfeições ora mencionadas, doutrinadores de nomeada pugnam, simplesmente, pela inoperância do art. 287, II, g, da Lei 6.404/76, como, por exemplo, Modesto Carvalhosa, verbis :
A par dos defeitos de técnica na redação do dispositivo em análise, o fato é que, para o caso em apreço, ele não teria mesmo aplicação, assim como não podem ser acionados os demais dispositivos listados nas razões recursais, alusivos a prescrição e decadência.
Primeiramente porque a parte autora não litiga na qualidade de acionista, mas como contratante, em busca de reparação decorrente de alegado descumprimento contratual.
Por outro lado, o art. 206, 3º, III, do Código Civil estabelece que prescreve em 3 anos a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela. Ocorre que este prazo somente terá início a partir do momento em que for realizada a subscrição das ações em comento, tornando-se o autor da demanda acionista da empresa.
Ademais, os incisos IV e V do mesmo dispositivo, referentes ao enriquecimento sem causa e à" pretensão de reparação civil ", também não incidem na espécie, haja vista que a hipótese trata de reparação por descumprimento de cláusula contratual.
Em realidade, a jurisprudência desta Seção é uníssona em apregoar que o prazo aplicável à cobrança de indenização decorrente dos dividendos de subscrição complementar de ações, somente tem fluência após o reconhecimento do direito à subscrição, porquanto se trata de verba relativa à participação nos lucros da companhia, possuindo natureza acessória à obrigação principal (complementação acionária). No caso, aplica-se o prazo do o art. 206, 3º, III, do Código Civil de 2002, a partir do reconhecimento ao direito de subscrição.
Confira-se, a propósito, a jurisprudência da Seção:
No mesmo sentido são as decisões seguintes: Ag. n.º 1.269.200/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR; AG 712.758/RS, Rel. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS; Ag 655.165/RS, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES; Ag 685.741/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, dentre várias.
4.1. Assim, para efeitos do art. 543-C do CPC, a tese a ser firmada é a seguinte: a pretensão de cobrança de indenização decorrente de dividendos relativos à subscrição complementar das ações da CRT/Celular CRT prescreve em três anos, nos termos do art. 206, 3º, inciso III, do Código Civil de 2002, somente começando a correr tal prazo após o reconhecimento do direito à complementação acionária.
5. O caso concreto.
5.1. Não conheço do recurso especial no que concerne à alegada ofensa aos arts. 332, 475-A e 475-C, todos do CPC, porquanto não foram objeto de prequestionamento na origem, mesmo porque não foi sequer ventilada matéria relativa a liquidação de sentença. Incide, no caso, a Súmula n.º 211/STJ.
5.2. Assiste razão à recorrente no que toca ao valor patrimonial da ação. Isso porque a questão foi sobejamente enfrentada por esta Seção, restando firmada a tese, no paradigmático REsp. n.º 975.834/RS, de relatoria do saudoso Ministro Hélio Quaglia, e reafirmada no REsp 1.033.241/RS , de relatoria do e. Ministro Aldir Passarinho Junior, já na sistemática de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), de que a complementação é devida, apurando-se o valor patrimonial da ação com base no balancete do mês da respectiva integralização.
5.3. Em relação à alegada ilegitimidade passiva, bem como à tese de prescrição dos dividendos, nos termos da fundamentação supra (itens 3 e 4), rejeita-se a irresignação.
5.4. No caso concreto , conheço parcialmente do recurso especial e, na extensão, dou-lhe provimento, apenas para determinar que o valor patrimonial da ação seja apurado com base no balancete do mês da respectiva integralização, mantido o acórdão quanto ao mais.
É como voto.
Documento: 9274689 | RELATÓRIO, EMENTA E VOTO |