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26 de Abril de 2024

Não cabe ao STJ afirmar legalidade, mesmo em abstrato, da utilização da tabela Price

há 9 anos

A análise sobre a legalidade da utilização da Tabela Price é uma questão de fato e não de direito, passando, necessariamente, pela constatação da eventual capitalização de juros. O entendimento foi firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos.

Segundo o relator, a importância da controvérsia é constatada na multiplicidade de recursos envolvendo a forma pela qual deve o julgador aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price em contratos de financiamento.

No caso julgado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na condição de amicus curiae, sustentou que sua mera utilização não implica a incidência de juros sobre juros (capitalizados), razão pela qual a possibilidade da sua contratação é matéria que dispensa a produção de quaisquer provas.

Também como amicus curiae, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defendeu que a existência ou inexistência de juros capitalizados na Tabela Price independe de apreciação de fatos, devendo ser considerada ilegal e afastada da previsão contratual.

Contradições

Em seu voto, o ministro ressaltou que há tempos o Poder Judiciário vem analisando demandas ajuizadas por mutuários do Sistema Financeiro da Habitação cujas teses, direta ou indiretamente, giram em torno da cobrança abusiva de juros sobre juros. E no afã de demonstrar eventual cobrança ilegal, os litigantes entregam ao Judiciário vários conceitos oriundos da matemática financeira, como taxa nominal, taxa efetiva, amortização constante, amortização crescente, amortização negativa, entre outros.

“As contradições, os estudos técnicos dissonantes e as diversas teorizações só demonstram que, em matéria de Tabela Price, nem sequer os matemáticos chegam a um consenso”, constatou.

Para Luis Felipe Salomão, justamente por se tratar de uma questão de fato, não cabe ao STJ afirmar a legalidade, nem mesmo em abstrato, da utilização da Tabela Price.

“É exatamente por isso que, em contratos cuja capitalização de juros seja vedada, é necessária a interpretação de cláusulas contratuais e a produção de prova técnica para aferir a existência da cobrança de juros não lineares, incompatíveis, portanto, com financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação antes da vigência da Lei n. 11.977/2009, que acrescentou o artigo 15-A à Lei 4.380/1964”, consignou o relator em seu voto.

Divergências

Ao expor seu entendimento, o relator enfatizou que a existência de juros capitalizados na Tabela Price tem gerado divergências em todas as instâncias judiciais e que não é aceitável que os diversos tribunais de justiça estaduais e os regionais federais manifestem entendimentos diversos sobre a utilização do Sistema Price de amortização de financiamentos.

“Não parece possível que uma mesma tese jurídica possa receber tratamento absolutamente distinto, a depender da unidade da federação e se a jurisdição é federal ou estadual”, afirmou. Por isso, acrescentou o relator, a necessidade do exame pericial, cabível sempre que a prova do fato "depender do conhecimento especial de técnico", conforme dispõe o artigo 420, I, do CPC.

Segundo Luis Felipe Salomão, os juízes não têm conhecimentos técnicos para escolher entre uma teoria matemática e outra, uma vez que não há perfeito consenso neste campo. “Porém, penso que não pode o STJ – sobretudo, e com maior razão, porque não tem contato com as provas dos autos –, cometer o mesmo equívoco por vezes observado, permitindo ou vedando, em abstrato, o uso da Tabela Price”.

Jurisprudência

Citando vários precedentes de Turmas e Seções de Direito Público e Privado, Luis Felipe Salomão ressaltou que a jurisprudência do STJ deve manter-se coerente com suas bases jurídicas.

Ele lembrou que em 2009, também em recurso repetitivo, o STJ já havia firmado o entendimento de que "Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7".

“Na medida em que se reconhece, por inúmeros precedentes já consolidados, que eventual capitalização de juros na Tabela Price é questão de fato, há de se franquear às partes a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado, sob pena de cerceamento de defesa e invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeita”, afirmou em seu voto.

Para o relator, reservar à prova pericial tal análise, de acordo com as particularidades do caso concreto, é uma solução que beneficia tanto os mutuários como as instituições financeiras, pois nenhuma das partes ficará ao alvedrio de valorações superficiais do julgador acerca de questão técnica.

No entendimento do relator, caso seja verificado que matéria de fato ou eminentemente técnica fora tratada como exclusivamente de direito, reconhece-se o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial.

Caso concreto

No caso julgado, uma mutuária ajuizou ação revisional de cláusulas contratuais cumulada com repetição de indébito contra contrato de mútuo para aquisição de imóvel firmado em março de 1994 com a Habitasul Crédito Imobiliário S/A, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça não permitiram a produção da prova técnica pleiteada pelas partes, tendo cada qual chegado a conclusões díspares sobre o tema, mesmo analisando a questão de forma apenas abstrata.

A mutuária recorreu ao STJ e a matéria foi afetada à Corte Especial em recursos repetitivo. Por unanimidade, a Corte Especial conheceu parcialmente do recurso e anulou a sentença e o acórdão, para determinar a realização de prova técnica para aferir se, concretamente, há ou não capitalização de juros (anatocismo; juros compostos; juros sobre juros; ou juros exponenciais ou não lineares) ou amortização negativa. Os demais pontos trazidos no recurso foram considerados prejudicados.

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18 Comentários

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A matemática o STJ se recusa a avaliar, afinal são apenas contas...
O maior problema não é o critério, mas sim a prática que é pior que PRICE ou SAC. Veja uma construtora, anunciando sucessivamente aos domingos na globo, o cidadão acorda e logo vem aquela proposta indecorosa, oferecendo apartamento por R$ 769,00 / mensal. Isso sim deveria ser julgado, porque nada pode ser vendido por esse preço, pelo menos nada que custe mais do que R$ 80mil (considerando o juros de 1% ao mês). Porque o sujeito, vai pagar apenas o juros durante a construção e a correção fica para trás e tudo que for acima dos R$ 80mil.
Isso sim é trabalhar com a ilusão do comprador... não é porque ele vai pagar SAC ou PRICE, e sim porque ele sem ver, assumiu um MICO que não sabe calcular e as Construtoras fazem questão de ocultar, porque o contrato já vem de brinde cláusulas que garante a construtora, pegar 50% ou mais do que o comprador (ou bobo) pagou para ajudar a construtora e no final fica chupando o dedo.
Então, não adianta o STJ se preocupar com a poeira levantada pela formiga, se tem um estouro de elefante passando e ele não vê! continuar lendo

Prezado Dr Milton Souza.

Bem colocado. continuar lendo

Permita-me: o PL 178/2011, com a redação que hoje possui ... inversa àquela com que nasceu ... vai criar ainda mais um caos contra o consumidor no trato da compra de imóveis na planta.

Tudo que era ilegal e duvidoso agora será legalizado ou terá multas e juros pela metade do preço quando as construtoras forem as inadimplentes.

Enquanto as construtoras financiarem as campanhas políticas, direta ou indiretamente, nunca teremos em nosso direito pátrio algo sério.

Quando falamos dessas tabelas estamos falando na verdade nas duas instituições que verdadeiramente mandam no país: bancos e construtoras.

Os 3 poderes (minúsculos) são apenas a fachada. continuar lendo

Prezados leitores. Sou formado em Matemática, Ciências Contábeis e Economia, fui bancário durante mais de 30 anos, atuando fortemente com financiamentos habitacionais, e atuo a mais de 12 anos com perícias judiciais. Acredito que sou habilitado para emitir opinião a respeito. Vou procurar ser breve e colocar da forma mais simples possível.

Nessa discussão sobre a capitalização de juros na Tabela Price, percebo que a maioria das pessoas que opina, esquece-se de verificar, primeiro, O QUE É capitalização. Vamos citar apenas duas fontes, porque o assunto é pacífico:

Diz Walter de Francisco no livro Matemática Financeira (Editora Atlas): “Juros compostos, acumulados ou capitalizados, são os que, no fim de cada período, são SOMADOS AO CAPITAL constituído no início, para produzirem novos juros no período seguinte.” (Pg.38).

Temos ainda a definição, apresentada na Revista Jurídica Virtual pulicada no site da Presidência da República (): “O chamado anatocismo, como se sabe, é a INCORPORAÇÃO DOS JUROS AO VALOR PRINCIPAL DA DÍVIDA, sobre a qual incidem novos encargos. Na prática usual no mercado financeiro, os juros sobre o capital referentes a um determinado período (mensal, semestral, anual) são incorporados ao respectivo capital, compondo um montante que servirá de base para nova incidência da taxa de juros convencionada.”

Claro está, portanto, que, para que haja capitalização, juros de um determinado período tem que ser ACRESCIDOS ao saldo devedor, servindo de base para o cálculo dos juros do período seguinte.

Outro ponto que necessitamos entender, é como funciona a Tabela Price que, na verdade, trata-se do Sistema Francês de Amortização; Richard Price elaborou tabelas com coeficientes para facilitar os cálculos das prestações, que são obtidas por fórmula relativamente complexa para quem não tem a matemática no seu diaadia, daí a utilização do seu nome nesse tipo de financiamento; hoje, nas calculadoras financeiras digita-se n, i, PV, e obtém-se PMT...

Dizem Mathias, W.F. e Gomes, J. M. no livro Matemática Financeira (Ed. Atlas): “Sistema Francês: Por este sistema, o mutuário obriga-se a devolver o principal mais os juros em prestações iguais entre si e periódicas.” (pg. 315).

Assim, a prestação é calculada de tal forma que seja capaz de quitar os juros do período (normalmente, um mês), e uma amortização de capital. No primeiro mês, os juros são calculados sobre o valor do empréstimo. No segundo mês em diante, são calculados sobre o saldo devedor, já que houve amortizações anteriores.

Exemplo: $ 10 mil, três meses, 10% a.m.; a prestação será de $ 4.021,15 (n, i, PV, PMT)
Mês 0 – Empréstimo; saldo devedor inicial $ 10.000
Mês 1 – Juros $ 1.000,00 – amortização $ 3.021,15 – saldo devedor 6.978,85
Mês 2 – Juros $ 697,88 – amortização $ 3.323,27 – saldo devedor $ 3.655,58
Mês 3 – Juros $ 365,55 – amortização $ 3.655,58 – saldo devedor 0.

Como se vê, não há ACRÉSCIMO de juros ao capital; os juros são QUITADOS a cada mês; portanto, NÃO HÁ CAPITALIZAÇÃO.

Vamos comparar com o SAC – Sistema de Amortizações Constantes, que não é questionado como passível de capitalização de juros; o mesmo exemplo acima , só que neste caso, as Amortizações são fixas (empréstimo dividido pelo prazo), e os juros são calculados sobre o saldo devedor; as prestações são decrescentes.

Exemplo: $ 10 mil, três meses, 10% a.m.; a prestação será de $ 3.333,33 mais juros
Mês 0 – Empréstimo; saldo devedor inicial $ 10.000
Mês 1 – Juros $ 1.000,00 – amortização $ 3.333,33 – saldo devedor 6.666,67
Mês 2 – Juros $ 666,67 – amortização $ 3.333,33 – saldo devedor $ 3.333,33
Mês 3 – Juros $ 333,33 – amortização 3.333,33 – saldo devedor 0.

Como vimos, os juros são calculados da mesmíssima forma que na Price (Sobre o saldo devedor) e também são quitados a cada mês, não existindo, evidentemente, capitalização.

Alguém vai dizer, mas no SAC o total dos juros é menor que na Price. Explico: a prestação inicial é maior no SAC, portanto, amortiza mais capital, sobra menos saldo devedor para pagar juros.

Tenho visto muitas sentenças concluindo, com base em Laudos Periciais equivocados, que há capitalização pela existência de uma taxa nominal e uma taxa efetiva nos contratos, ou porque, na fórmula de cálculo das prestações do Price há o chamado “fator de capitalização” : (1+i)^n e, só por isso, fica caracterizada a capitalização.

É que existem, nos contratos bancários, uma taxa nominal, e uma taxa efetiva, o que independe do sistema de amortização adotado.

Trata-se de conceito matemático um pouco mais complexo. A taxa nominal é aquela aplicada ao financiamento, utilizada para calcular os juros sobre o saldo devedor, no caso dos exemplos acima, 10% a.m.

Já a taxa efetiva deriva do conceito de fluxo de caixa – ou seja, de quando são feitos os pagamentos. Normalmente, nos empréstimos em geral, os pagamentos são mensais. Há então, um desembolso mensal dos juros, do devedor para o credor, gerando um “custo financeiro” que não ocorreria se todos os juros fossem pagos ao final dos três meses. Ou seja, se o devedor não desembolsasse os juros, poderia aplicar ou emprestar o dinheiro e ter rendimento; como ele paga, deixa de obter esses rendimentos (que são capitalizados mensalmente, p.ex. a poupança).
Então, o cálculo da taxa efetiva é a capitalização das taxas mensais: (1+i)^n-1; no exemplo, 33,1%.

O mesmo ocorre com relação ao “fator de capitalização”: ele só indica que o dinheiro para pagamento dos juros possui um “custo financeiro” uma vez que desembolsado mensalmente.

Mesmo assim, isso não significa que juros foram ACRESCIDOS ao saldo devedor; eles foram QUITADOS, portanto, afirmo com segurança, NÃO HÁ CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NA TABELA PRICE OU NO SAC. continuar lendo

O Sr. Nelson Chiad demonstrou, didaticamente, que não existe a imputação de juros sobre os sucessivos saldos de capital, quando a Tabela Price ou o SAC forem corretamente aplicados. Para complementar a certificação, o interessado pode apurar a taxa nominal aplicada, mediante o cálculo da Taxa Interna de Retorno. Existem uns poucos juízes capazes de enfrentar essa bagaceira toda, mas esta não é a praia deles e eles, acertadamente, não assumem essa responsabilidade técnica. continuar lendo

Mas os Tribunais deveriam ter profissionais (peritos) para enfrentar essa "bagaceira", como diz você. Afinal, juiz também não entende de medicina, mas quando precisa de um laudo médico é nomeado um médico para tal. continuar lendo

Prezados

Mais uma demonstração de bom senso do STJ. Discutir matemática financeira à Luz da Lei, para quem é do ramo (como eu) soa mais ou menos como discutir a aplicação da Lei da Gravidade. Muito lúcida e perspicaz a opinião dada aqui por Dr Milton Souza. continuar lendo