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17 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça
há 12 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Publicação

Julgamento

Relator

Ministro LUIZ FUX

Documentos anexos

Inteiro TeorERESP_787101_RS_1272530970963.pdf
Certidão de JulgamentoERESP_787101_RS_1272530970965.pdf
Relatório e VotoERESP_787101_RS_1272530970964.pdf
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Relatório e Voto

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 787.101 - RS (2006/XXXXX-0)
RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de embargos de divergência interpostos pelo Estado do Rio Grande do Sul, com fulcro no art. 546, inciso I, do Código de Processo Civil, em face do v. acórdão prolatado pela E. Segunda Turma deste Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso especial pelo mesmo interposto, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Castro Meira, que restou assim ementado:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 535 DO CPC. ARGÜIÇAO GENÉRICA. SÚMULA XXXXX/STF. ALEGADA TRANSGRESSAO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA ESPECIAL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ARTIGO 461, , DO CPC.
1. Não se conhece do recurso especial pela alegada violação ao artigo 535 do CPC nos casos em que a argüição é genérica. Incidência da Súmula XXXXX/STF.
2. Quanto ao artigo da Carta da Republica e aos princípios constitucionais tidos como contrariados, trata-se de matéria que refoge ao âmbito de apreciação desta Corte. O recurso especial, como é cediço, limita-se ao exame de normas infraconstitucionais.
3. As medidas previstas no 5º do artigo 461 do CPC foram antecedidas da expressão"tais como", o que denota o caráter não exauriente da enumeração.
4. Não obstante o seqüestro de valores seja medida de natureza excepcional, a efetivação da tutela concedida no caso está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, devendo ser privilegiada a proteção do bem maior que é a vida.
5. Recurso especial improvido." (fl. 125)

O ora embargante aduz existir divergência jurisprudencial entre o v. aresto embargado e o acórdão prolatado pela E. Primeira Turma deste Sodalício, no julgamento do REsp n.º 784.188/RS, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, publicado no DJU de 14/11/2005, e recebedor da seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇAO AO DEVEDOR ( CPC, ARTS. 273, E 461, ). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos4611 e461AA doCPCC. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, como se pode verificar, por exemplo, nos seguintes precedentes: AgRg no Ag 646240/RS, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de 13.06.2005; RESP XXXXX/RS, 5ª T., Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 16.05.2005; AgRg no RESP XXXXX/SP , 6ª T., Min. Paulo Medina, DJ de 06.10.2003; AgRg no REsp XXXXX/TO , 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 30.05.2005.
2. Todavia, não se pode confundir multa diária (astreintes), com bloqueio ou seqüestro de verbas públicas. A multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. Já o seqüestro (ou bloqueio) de dinheiro é meio executivo de sub-rogação, adequado a obrigação de pagar quantia, por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação, independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado.
3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio ( CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.
4. Recurso especial provido."

Sustenta a embargante, em síntese, que da comparação analítica do decisum ora hostilizado com o acórdão colacionado, evidencia-se o dissídio pretoriano, tendo em vista que, o acórdão embargado concluiu pela possibilidade de se efetivar o bloqueio de valores em conta do Estado como forma de garantir efetividade à decisão que, antecipando os efeitos da tutela, determinou ao ente público o fornecimento de medicamentos indispensáveis à vida da parte autora da demanda, enquanto que o aresto paradigma concluído pela impossibilidade de seqüestro ou bloqueio de valores depositados em conta corrente de ente público.

Ressalta, ainda, que o decisum embargado encontra-se em evidente infringência às disposições insertas nos arts. 100, 2.º, da Constituição Federal, e 730, do Código de Processo Civil, afirmando, assim, que "as políticas públicas não podem ser substituídas por sentenças, senão haverá gravíssimo descontrole dos gastos e, por óbvio, impossibilidade de execução do orçamento" (fl. 142), e mais, que "retirar qualquer quantia de dinheiro diretamente da conta estatal é fulminar com a Administração Pública, que deve ser vista como um todo" (fl. 142).

No mais, sustenta o Estado embargante que "a determinação de busca e apreensão de dinheiro na conta bancária do Estado viola frontalmente toda a regulamentação sobre o destino das verbas públicas, previsão de gastos e execução orçamentária" (fl. 143), e que "a Fazenda Pública se sujeita a rito, o qual não prevê"a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis"(fl. 143).

Admitidos os presentes embargos, foi intimada a parte embargada, que representada pola Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, apresentou resposta (fls. 163/167).

Aduz a embargada, a seu turno, que a despeito de não ser lícito ao Magistrado exercitar a atos inerentes à Administração Pública por meio de seus provimentos ou sentenças, lhe é lícito e até mesmo exigível que, uma vez provocado em casos concretos, exerça profundo controle da legalidade dos atos administrativos, determinando a realização das medidas que reputar necessárias para fazer valer preceitos legais e constitucionais que porventura se revelem desrespeitados pelo Administrador.

Assim, afirma a embargada, que, in casu , a decisão do e. Magistrado de primeiro grau, que deu origem a presente controvérsia, "não pretendeu e efetivamente não alterou as políticas estaduais de saúde, nem sequer determinou a realocação de verbas destinadas a outras demandas administrativas"(fl. 164), alega que ocorreu tão-somente "a determinação de medidas julgadas necessárias ao cumprimento por parte do Estado-Administração que, no caso concreto, insistia no descumprimento dos preceitos constitucionais que garantem a gratuidade do tratamento de saúde ao cidadão necessitado, notadamente tendo fazer-se hierarquicamente superior ao Poder Judiciário, eis que negou reiteradamente o cumprimento às suas decisões"(fl. 165).

É o relatório.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 787.101 - RS (2006/XXXXX-0)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISAO JUDICIAL DE ANTECIPAÇAO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE , IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇAO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO.
1. Recurso de embargos de divergência que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos à pessoa hipossuficiente acometida de osteoporose, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor de ente estatal, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas deste depositadas em conta corrente.
2. Depreende-se do art. 461, 5.º do CPC, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu , o seqüestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objetos da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável (Precedentes: AgRg no AG n.º 738.560/RS , Rel. Min. José Delgado, DJU de 22/05/2006; AgRg no AG n.º 750.966/RS , Rel. Min. Castro Meira, DJU de 19/05/2006; AgRg no AG n.º 734.806/RS , Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 11/05/2006; e AgRg no REsp n.º 795.921/RS , Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 03/05/2006).
3. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante.
4. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu , merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º:
"Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente."
5. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.
6. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.
7. In casu, a decisão ora hostilizada pelo embargante importa na disponibilização em favor da parte embargada da quantia de R$ 345,00 (trezentos e quarenta e cinco reais), que além de não comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se indispensável à proteção da saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de subrogação .
8. Por fim, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.
9. Embargos de divergência desprovidos.
VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Cinge-se a presente controvérsia em saber se possível ao julgador, tendo em vista as disposições constitucionais e processuais acerca do tema, determinar, em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a pessoa hipossuficiente acometida de osteoporose, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor de ente estatal, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas deste depositadas em conta corrente.

Revelando-se manifesta a divergência alegada, e estando presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se sejam conhecidos os presentes embargos.

Assim dispõe o art. 461, 5.º, do Código de Processo Civil, que é de análise imprescindível à apreciação da irresignação recursal em tela:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
5 o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial."

Da análise do supra transcrito dispositivo não se pode inferir de pronto, como pretendido pelo Estado ora embargante, que obstado ao julgador determinar, como medida necessária à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, o bloqueio ou seqüestro de valores depositados em conta corrente da parte demandada.

Isto porque, da leitura do próprio 5.º do art. 461, que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial" , não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu , o seqüestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objetos da tutela deferida, medida excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.

Desta feita, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal frente ao comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante, ora recorrido.

Nesta esteira, faz-se oportuna a transcrição dos ensinamentos de EDUARDO TALAMINI, in verbis:

"O 5.º do art. 461 permite ao juiz"determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão. remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição policial". Essas providências poderão ser tomadas" para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente ". A norma do 5.º, portanto, autoriza não só o emprego de mecanismos subrogatórios da conduta do demandado (" obtenção do resultado prático equivalente "). Confere ao juiz, igualmente, poderes para a imposição de outros meios coercitivos (além da multa expressamente prevista no 4.º), destinados a acompanhar a ordem judicial dirigida ao réu, para que ele cumpra o" fazer "ou" não fazer "(" efetivação da tutela específica ", no sentido legal (...).
(...)
A enumeração de medidas constante do 5.º não é exaustiva - o que se depreende da locução conjuntiva" tais como ", que a antecede."
(...)
"Os mecanismos subrogatórios e coercitivos, portanto, poderão até ser utilizados simultaneamente." (TALAMINI, Eduardo. In "Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, Ed. RT, pp. 262/264 e 280)

Ademais, hodiernamente, é absolutamente inviável a análise de qualquer diploma legal sem a abertura da Constituição Federal. Neste particular, tenho que oportuna a transcrição das disposições insertas nos arts. 6.º e 196 da Constituição Federal:

"Art. 6.º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

A Constituição brasileira promete uma sociedade justa, fraterna, solidária, e tem como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, que é valor influente sobre todas as demais questões nela previstas.

Como de sabença, os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu , merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º:

"Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.
Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente."

Sobreleva notar, ainda, que hoje é patente a idéia de que a Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.

Assim, legítimo o proceder do i. magistrado de primeiro grau que, diante de quadro fático no qual a recalcitrância do devedor, em evidente desrespeito a dignidade da pessoa humana, põe em risco os direitos fundamentais à saúde ou à vida do demandante, determina o seqüestro ou o bloqueio de valores depositados em conta corrente do mesmo, como forma de providenciar a este o resultado prático equivalente ao da tutela que lhe fora deferida. É irrelevante, neste aspecto, seja o devedor pessoa física, jurídica, ou ente estatal, vez que a ninguém é dado afrontar princípios constitucionais de tamanha relevância, muito menos ao argumento, a meu ver falacioso, de se estar optando pela primazia de princípios de Direito Financeiro ou Administrativo.

Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.

Vale ressaltar, que de nada adiantará à parte a condenação do Estado ao pagamento de astreintes por sua desídia. Referida medida não se reveste sequer sob a forma de prêmio de consolação; resulta, ao revés, em impor à parte carente sofrer ad eternum com a enfermidade que a acomete.

Ademais, observa-se que o bloqueio de valores na conta corrente do Estado, embora possa parecer mais rigoroso, apresenta-se, na verdade, como medida menos onerosa do que a imposição da multa diária, pois o réu arcará somente com o valor correspondente à obrigação; e mais efetiva, pois alcança o resultado prático correspondente.

Finalmente, há de se destacar que a decisão hostilizada pelo Estado importa na disponibilização em favor da parte ora embargada da quantia de R$ 345,00 (trezentos e quarenta e cinco reais), que além de não comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se indispensável à proteção da saúde do autor da demanda que originou a presente controvérsia, mercê de consistir em medida de apoio da decisão judicial em caráter de subrogação .

Por fim, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário.

Oportuno destacar que a questão encontra-se sedimentada, nesta mesma esteira de entendimento, em ambas as Turmas julgadoras integrantes da E. Primeira Seção deste Sodalício, consoante se pode depreender dos recentes julgados, cujas ementas merecem colação:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. OBRIGAÇAO DE FAZER. BLOQUEIO DE CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Agravo regimental contra decisão que desproveu agravo de instrumento.
2. O acórdão a quo determinou o fornecimento de remédio excepcional à ora recorrida, considerando viável o bloqueio de valores para tal finalidade.
3. O art. 461, , do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente,"determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial"(destaquei), apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. No caso, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas.
4. Precedente : REsp nº 656838/RS , 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 20/06/2005; EDcl no AG nº 645565/RS , 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 13/06/2005.
5. Agravo regimental não-provido." (AgRg no AG n.º 738.560/RS , Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU de 22/05/2006)
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSAO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, DO CPC. 1."Para o STJ, diferentemente, a simples interposição de embargos declaratórios não torna a matéria prequestionada, pois entende que o requisito do prequestionamento é satisfeito quando o Tribunal a quo emite juízo de valor a respeito da tese defendida no especial. Assim, não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, a pretexto de violação ao art. 535 do CPC, examinar omissão de dispositivos constitucionais por falta de interesse de recorrer"(AgREsp 756.753/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 12.12.2005).
2. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidas coercitivas, chamadas na lei de"medidas necessárias", que têm como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas.
3. As medidas previstas no 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão"tais como", o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto.
4. Não há que se falar, dessa feita, em falta de previsão legal da medida coercitiva de bloqueio em conta do Estado.
5. Agravo regimental improvido." (AgRg no AG n.º 750.966/RS , Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 19/05/2006)
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
Este Sodalício, ainda que majoritariamente, já se manifestou no sentido de reconhecer a licitude do bloqueio de valores em contas públicas com o fito de assegurar o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Agravo regimental improvido." (AgRg no AG n.º 734.806/RS , Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 11/05/2006)
"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 182/STJ. CUSTEIO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, , DO CPC.
1."É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada"(Súmula n. 182 do STJ).
2. A Constituição Federal excepcionou da exigência do precatório os créditos de natureza alimentícia, entre os quais incluem-se aqueles relacionados à garantia da manutenção da vida, como os decorrentes do fornecimento de medicamentos pelo Estado.
3. É lícito ao magistrado determinar o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Nessas situações, a norma contida no art. 461, , do Código de Processo Civil deve ser interpretada de acordo com esses princípios e normas constitucionais, sendo permitida, inclusive, a mitigação da impenhorabilidade dos bens públicos.
4 - Agravo regimental não-provido."(AgRg no REsp n.º 795.921/RS , Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 03/05/2006)

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO aos presentes embargos de divergência.

É como voto.


Documento: XXXXX RELATÓRIO, EMENTA E VOTO
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